Carioca, nascido em 1949 no bairro de São Cristóvão, casado com a médica Maria de Fátima Pinheiro, dois filhos e dois netos, o médico-pediatra Paulo Pinheiro formou-se após cursar seis anos na Faculdade de Ciências Médicas da UEG (atual UERJ). Concluiu a pós-graduação em Pediatria da PUC na Policlínica de Botafogo, com o Professor Álvaro Aguiar, e tem os títulos de Especialista em Pediatria pela Sociedade Brasileira de Pediatria e de Administração Hospitalar pela UERJ. (Continua)

10 de mar. de 2008

A Doença da Saúde tem cura?

Os cidadãos que dispõem de um plano de saúde e querem um atendimento médico não se acotovelam em extensas filas nos hospitais de emergência da rede conveniada; eles procuram os consultórios médicos. Paralelamente, de cada dez pacientes do Sistema Único de Saúde que, freqüentemente, aguardam o atendimento em filas intermináveis, apenas dois deveriam estar ali. Por quê? Será que os ambulatórios e postos de saúde do SUS não funcionam? Aqui começa a doença da saúde.

Como as nossas políticas públicas não se prepararam para a transição demográfica, as emergências encontram-se abarrotadas de idosos, portadores de doenças crônicas agudizadas - de cada dez macas, oito são ocupadas por eles. No Rio de Janeiro, 13% da população já passaram dos 60 anos. São pessoas que não conseguem diagnosticar e tratar a pressão elevada ou o aumento de glicose no sangue na rede ambulatorial. Enfim, a tendência é acabar numa maca de hospital com A VC (derrame) ou com os rins lesados pela diabetes.

Além desses fatores, pesa muito na saúde a questão das desigualdades sociais e econômicas. Dos 14 milhões de fluminenses, 76% moram na Região Metropolitana (RM), onde o índice de pobreza é muito expressivo. Estatísticas divulgadas pelo IBGE mostram que, na capital do Estado, este número chega a 13%. Já no município vizinho de Japeri, por exemplo, atinge 38% da população. Em Nova 19uaçu, chega a 25% e, em Duque de Caxias, beira os 28%. A renda média mensal dos moradores da RM/RJ foi a que mais caiu no Brasil nos últimos 12 meses.

A cidade do Rio de Janeiro também convive com enormes bolsões de pobreza, semelhantes aos da Baixada Fluminense. Nestes locais, o poder público não oferece consultas, nem exames suficientes, não disponibiliza os leitos necessários e nem mesmo fornece medicamentos em quantidade suficiente para tratar os cidadãos, que já enfrentam dificuldades em todos os setores: do acesso ao saneamento básico à alimentação de qualidade, passando pelo transporte e pela educação. Numa breve avaliação dos problemas enfrentados na capital, verifica-se que 1,8 milhão de cariocas moram nos 33 bairros de pior IDH. Eles representam 38% do total da nossa população. Nestes locais de abandono de políticas públicas, moram 39% dos jovens cariocas até 19 anos. Também nestes bairros residem 51% dos analfabetos de toda a cidade. O desemprego em algumas destas áreas é também preocupante: 200/0 no Jacarezinho e 19% no Complexo da Maré, só para citar dois exemplos. Entretanto, é na Região Metropolitana e nos bairros mais pobres da capital que não encontramos os serviços de saúde necessários.

O que fazem, então, os moradores dessas regiões? Migram para outros bairros da capital, acreditando na existência de melhores recursos. Infelizmente, muitos já sem condições de atendimento, com complicações incontornáveis, perambulam por hospitais e morrem nas macas das emergências.

E os administradores públicos, como se comportam? Em primeiro lugar, é preciso entender que o financiamento da saúde no Brasil é feito pelo Ministério da Saúde, Estados e Municípios. Entretanto, muitos prefeitos, e governadores não vêm cumprindo a parte deles nesta tarefa. A Comissão que presido na Alerj acabou de realizar um levantamento sobre a matéria em relação ao exercício de 2002 e chegou a uma triste conclusão: diversas prefeituras não investiram o que manda a lei, enquanto outras gastaram os recursos com ambulâncias para remover mais rapidamente seus pacientes (rebocoterapia).

Diante desta situação, é fundamental que o Ministério da Saúde e o Tribunal de Contas do Estado cobrem imediatamente das autoridades um melhor cumprimento de suas missões, como investir no programa de Saúde da Família, na ampliação da rede de unidades básicas e na fixação de recursos humanos nos bairros mais pobres. No caso específico da capital, a Secretaria Municipal de Saúde precisa melhorar e ampliar a oferta desses serviços nas áreas mais carentes.

O que não podemos aceitar é a atuação do governo do Estado do Rio de Janeiro e do governo federal, misturando os recursos da execução de serviços de Saúde com os recursos da alimentação e do saneamento.

É claro que água limpa e comida boa são importantes para a Saúde. Mas devem ser financiadas com recursos próprios, não com escassos recursos que hoje são gastos na prevenção de doenças, nos programas de vacinação, materno-infantil ou de saúde da família.

A doença da Saúde, é claro, tem cura. O que nós esperamos é que o tratamento seja clínico e não cirúrgico. Só os governos podem executá-lo, mas a sociedade precisa fiscalizar, e muito.

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